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Infectada pelo coronavírus, indígena morre com três dias de vida em Pernambuco

De acordo com o cacique da aldeia, a principal suspeita é que a menina tenha sido contaminada no hospital em Floresta, onde foi feita a cesariana


Alfredo Mergulhão para a Época | 20/05/2020



Indígenas que vivem no sertão pernambucano usam máscaras de proteção. Foto: Reprodução


O novo coronavírus provocou a morte de quatro indígenas em Pernambuco, entre elas inclui-se a mais jovem vítima da doença no estado. Trata-se de uma bebê recém-nascida do povo Pipipã, cujo território fica no município de Floresta, situado no sertão pernambucano. A menina morreu com apenas três dias de vida.

Além dos óbitos, o aumento da quantidade de casos confirmados tem causado preocupação entre os indígenas. Em duas semanas o número sextuplicou: passou de três para 18 pessoas que testaram positivo entre os dias 2 e 15 de maio. Os números integram um levantamento realizado pela Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas em Pernambuco (Remdipe).


A criança indígena apresentou sintomas logo depois de nascer, como dificuldades para respirar. Ela morreu em casa, na aldeia Pipipã, e teve uma amostra coletada para realização de exame. A causa da morte do bebê foi confirmada por meio de teste feito no Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen-PE). O resultado foi divulgado no dia 5 de maio.


De acordo com o cacique da aldeia, Valdemir Amaro Lisboa, a principal suspeita é que a menina tenha sido contaminada no hospital em Floresta, onde foi feita a cesariana. A mãe, o pai e seus outros dois filhos estão isolados e são monitorados por uma equipe multidisplinar de saúde indígena. A mãe passou por um teste rápido de Covid-19 e o resultado deu negativo. Um outro exame foi realizado e o diagnóstico deve sair nos próximos dias.  


"O bebê foi enterrado conforme os protocolos, sem velório e cerimônia, sem ajuntamento de pessoas. Nossa tradição é juntar o povo, oferecer comida, bebida e, para quem tem intimidade com questões espirituais, na hora da despedida a gente canta para encomendar o corpo", explicou o cacique.

A aldeia Pipipã fica a 80 km de Floresta. A distância para a área urbana ajuda o território a manter-se longe do vírus. Mesmo assim há dificuldades em inibir a ida dos indígenas à cidade. O território fica no semiárido nordestino e costuma passar por longos períodos de estiagem. Mas este ano foi abundante em chuva e os Pipipã tiveram colheita farta. Por este motivo querem ir à cidade vender o excedente e requisitar a renda emergencial do governo federal.


“Fizemos todos os esforços, com cacique, pajé e mulheres. Mas não conseguimos convencer a todos. Somente após o primeiro caso que o temor aumentou e agora tem gente que fecha a casa, vai para a serra e só volta para dormir. Também fizemos uma barreira de conteção para evitar pessoas alheias ao território. Só passa carro-pipa, transporte de pacientes e equipes de saúde”, disse o cacique.


Outros três indígenas pernambucanos morreram por coronavírus: uma mulher de 69 anos moradora de uma aldeia Pankará, em Carnaubeira da Penha, e dois índios Fulni-ô que viviam no aldeamento situado no município de Águas Belas.


A maioria dos casos confirmados entre indígenas em Pernambuco é de Fulni-ô, com 13 indígenas infectados no total. Eles se dividem entre duas aldeias. Uma delas a do Ouricuri, distante seis quilômetros da cidade e local onde são realizados os rituais sagrados. A outra fica na zona urbana de Águas Belas e é praticamente um bairro do município de 43 mil habitantes situado às margens do Rio Ipanema e cortado pela BR-423.

"Antes de o vírus chegar nós já discutíamos sobre o risco de contágio aqui. De fato isso se confirmou. A aldeia fica na zona urbana, as pessoas transitam pelo território, frequentam a cidade e ainda tem a rodovia, com postos de gasolina que são pontos de parada para caminhoneiros. São muitas portas de entrada do vírus para as aldeias”, explicou o Wilke Torres de Melo, indígena Fulni-ô e antropólogo do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Pernambuco.

Os indígenas de Fulni-ô se dividem em duas aldeias: a do Ouricuri, distante seis quilômetros da cidade, e a que fica na zona urbana de Águas Belas Foto: Reprodução

Com a aldeia dentro da cidade, ficou inviável a criação de barreiras sanitárias pelos Fulni-ô. A estratégia adotada pelos indígenas foi fazer trabalhos educativos com os cerca de 4,5 mil Fulni-ô de Águas Belas. O desafio, explica Wilke Torres, foi superar questões culturais como o costume de viverem em proximidade, de compartilhar objetos e de frequentar espaços de rituais.


Além dos Pipipã, Fulni-ô e Pankará, há ainda dois casos confirmados em indígenas Atikum e um teste positivo de um índio Pankararu. No entanto, a Remdipe acredita que há subnotificação e defasagem nos dados. Na sexta-feira (15), o site Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informava que havia somente uma morte de indígena por Covid-19 confirmada em Pernambuco. Mas as secretarias municipais de saúde já tinham assumido a ocorrência de quatro óbitos.

A Redimpe é formada pelos próprios indígenas e por entidades como a Comissão de Professores/as Indígenas em Pernambuco (Copipe), Comissão de Juventude Indígena em Pernambuco (Cojipe) e pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Eles criaram uma rede para acompanhar a evolução da pandemia nos aldeamentos pernambucanos.

"Outra carência é a falta de informações sobre a situação dos indígenas nos centros urbanos. Em tempos de pandemia, números são vidas que importam, e podem ajudar na implementação de políticas de forma mais efetivä", afirmou a antropóloga Lara Erendira Andrade, da equipe tecnica responsável pela elaboração do boletim semanal da Remdipe.

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